Ninguém o Salvou de Si Mesmo

Eu estou desabando
Você não vai me ajudar?
Salve-me de mim mesmo
(...)
De repente minha vida parece ser como um rio
Me levando a lugares
Aos quais eu não quero ir
George Michael - To Be Forgiven

Este é um trecho de uma das minhas músicas preferidas. Escrita pelo gênio que nos deixou no dia de Natal. Dormindo, recluso, o super star conhecido no mundo inteiro padeceu diante da terrível sensação de solidão e do desespero ao lidar com sua mente brilhante e conflituosa. E ainda tem gente que considera apenas coincidência a sequência de estrelas celebridades mortas solitárias? Michael Jackson, Prince, Amy Winehouse, Whitney Houston. 

Whitney Houston e George Michael
Não dá para imaginar o peso imenso que uma pessoa nessa situação tem que carregar. O fardo do sucesso e da privacidade constantemente invadida. Sem contar o paradoxo de ter o mundo todo às mãos e ao mesmo tempo se sentir sozinho. As drogas em nada colaboram para o estabelecimento dessa conexão com a realidade. Não é nada além de um escapismo que em boa parte dos casos é fatal.

George Michael nunca se deu bem nesse "cabo de força" entre o ser humano e o ser "estrela". Em 1987, em entrevista à uma revista norte-americana, o inglês classificou a fama como algo trágico. Dias depois, à mesma revista, o gigante da música Frank Sinatra enviou a seguinte carta, afim de alertar George do real fato positivo de lidar com a fama. Nessa época, George tinha 27 anos:

Frank Sinatra
"Queridos amigos,

Quando vi a vossa capa de hoje sobre George Michael, "a estrela pop relutante", a minha primeira reação foi a que ele deveria agradecer ao Senhor todas as manhãs quando acorda por tudo o que tem. E isso faria com que fôssemos dois a agradecer a Deus todas as manhãs por tudo o que temos.

Não percebo alguém que vive "na esperança de reduzir a pressão do seu status de celebridade". Aqui está um miúdo que "queria ser uma estrela pop desde que tinha cerca de sete anos de idade". E agora que é um performer de sucesso e um compositor aos 27 anos, quer desistir de fazer o mesmo por que toneladas de jovens talentosos em todo mundo matariam a avó – apenas um pedaço do que ele agora se queixa.

Va lá George, relaxa. Swing, homem. Limpa as teias de aranha nas asas e voa até à lua da tua escolha e agradece por carregar a bagagem que nós todos tivemos de carregar desde aquelas noites sem dormir em autocarros a ajudar o motorista a descarregar os instrumentos.

E chega da conversa sobre a "tragédia da fama". A tragédia da fama é quando ninguém aparece e tu estás a cantar para a empregada de limpeza nalgum lugar vazio que não vê um cliente desde o dia de Saint Swithin [lenda associada ao bispo de Winchester na Idade Média]. E tu não estás sequer próximo disso; tu estás no topo de uma escada alta que se chama Estrelato, que em latim significa agradecimentos-aos-fãs que estavam lá quando tudo era solitário.

O talento não pode ser desperdiçado. Aqueles que o têm – e tu obviamente que o tens ou então a capa da Calendar de hoje era sobre o Rudy Vallee [cantor e actor americano considerado o primeiro ídolo pop dos adolescentes] – aqueles que têm talento têm de o abraçar, alimentar e partilhar para que não te seja roubado tão rapidamente quanto te foi emprestado.

Confia em mim. Eu já lá estive."

Mesmo com o conselho de um dos mitos da música, George nunca foi hábil na compreensão desta situação. No caso dele, perseguição implacável da mídia e questionamentos sobre sua sexualidade desde que fez sucesso em seu primeiro disco pelo grupo Wham!. E quando parecia que sua vida navegava em um mar da tranquilidade, eis que ele se metia em alguma encrenca por seu próprio "talento". Onde estava a paz que ele tanto queria conquistar?

Uma inquietude que ele fazia questão de esconder, mas que se revelou em seus atos, nas confusões em que ele se envolveu. Diante de todo este processo, a perda dos grandes amores (mãe e namorado) parecem ter derrubado suas últimas estruturas de base psicológica. Aos fãs, a espera de novas pérolas icônicas como Fastlove, Careless Wisper, Heal The Pain e tantas outras.

Em suas últimas turnês a voz ainda era marcante, mas a respiração já dava sinais de perda em notas mais altas. Ainda assim, ele colocaria em seu chinelo boa parte dos cantores contemporâneos e mesmo dos atuais.

A beleza, a postura meio travada, a barba que lhe dava um ar másculo e causava efeito visual nas fãs, a voz poderosa, a sensualidade das letras. George Michael foi único por todas essas características. Sua troca de visuais era parte desse universo. Uma hora com cabelo curto, outra com cabelo mais longo, o blaser de ombreiras na década de 1990, o cavanhaque, mesclada com a timidez. Um cantor com tamanho talento no palco que por outro lado dizia odiar turnês.

No mundo de George, tudo parecia ser conflituoso em extremos. O não querer ser um cantor pop ao contrastava com um dom único para fazer hits. Diante destes conflitos, as drogas e sua função de escapismo só o enfiaram mais para dentro de si. O tratamento para que enfim ele parasse de se drogar deixou marcas visíveis, como o inchaço em seu rosto. Neste momento, o cantor ficou totalmente recluso. A mídia o devorava, estampando entre suas fotos atuais manchetes como; "George Michael acima do peso e irreconhecível".

Uma saída a um restaurante em setembro. O acompanhar de uma procissão da janela de sua casa (ele é vizinho de uma igreja) e nada mais.

E eis que na manhã do dia 25 de Dezembro, morre solitariamente em sua cama um dos gênios da música. Deixando em seus fãs a sensação de que ainda tínhamos tanto a ouvir, mas que pelo imponderável da vida, ficará apenas a lembrança.

Ainda não parece ser verdade. Trilha sonora constante em meus pendrives, a diversos amigos já tinha dito do receio de que isso pudesse acontecer.

Um 2016 de cortes irreparáveis na música. Do dinamismo e ineditismo de Bowie, ao talento extremo de Prince e a colaboração imensa de George Michael o mundo musical fica bem mais pobre e não vai se reerguer, até porque hoje o mundo é dos lançamentos e o rótulo de superstar fica apenas aos que ainda estão entre nós.

Para Elvis, Michael, Sinatra, Whitney, George, Bowie, Prince fica a definição de lenda, uma imortalidade que se mantém na atualidade de suas músicas. Não tem como achar que essas estrelas tenham morrido. A arte deles é imortal.

E mesmo sabendo que em algum momento isso poderia acontecer, me espanta mais uma vez que ninguém tenho feito nada para impedir isso. Assim como em boa parte das estrelas que partiram prematuramente. Ninguém o salvou de si.

Um comentário:

Helena Rodrigues disse...

Acho difícil tentar salvar alguém que não deseja ser salvo. Alguns desfechos são inevitáveis mesmo. Mas são grandes perdas, não há como negar.

Beijos!
Blog: *** Caos ***

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