Complexo de Vira-Lata, "Amarelância", Fator A e Outros Rótulos

Bem que tentei silenciar em relação à algumas colocações, mas não deu. Neste último mês, o maior evento mundial do esporte acontece em nosso país. E desde a cerimônia de abertura, acompanho alguns comentários que atestam paradoxalmente, o conhecimento e a ignorância do povo que expôs sua opinião nas redes sociais. 

Antes de tudo, o público das redes sociais se sente muito confortável em postar sua opinião, pois toda a estrutura está pronta para isso. A pessoa é quase obrigada a postar algo. Pintou um assunto, nascem os comentários aos milhares. 

Eis o primeiro assunto. A cerimônia de abertura dos Jogos. Particularmente e, ciente da minha ignorância pois não sou técnico na análise, e colocando-me conscientemente na condição de espectador, achei a cerimônia simples, porém envolvente. A projeção de vídeos no solo, os efeitos, a dança, a forma que as histórias e a música foram contadas respeitaram as tradições e deram espaço ao novo. Tudo maravilhoso. Ainda na minha opinião, desnecessária apenas a aparição de Regina Casé, mas Jorge Bem Jor, Paulinho da Viola, Caetano e Gil e mesmo Anitta tornaram a festa mágica. Os que questionam a aparição dos artistas "néopop" querem virar as costas para quem, felizmente ou não, comanda as paradas musicais e, por isso, tem extensa agenda de shows no país. Por vergonha disso agora? Parece aquela dona de casa que guarda o pinguim de cima da geladeira quando vai receber visita. Como se a "América" não produzisse lixo cultural. E qual a definição de lixo cultural? Como se a Europa fosse um celeiro de cases de sucesso da música (para não citar nomes e gerar mais mimimi). Eu, por exemplo, odeio máximas na cultura musical. Boa parte dos ícones para mim justificam-se com aquele clichê de que "toda a unanimidade é burra". Voltando à cerimônia, foi bom ver Oscar, o emocionante Guga, Hortência, Vanderlei Cordeiro de Lima. E o Sol olímpico, inesquecível. 

Não demorou muito para choverem comentários depreciativos nas redes. Enquanto boa parte da imprensa do mundo deu os créditos positivos à cerimônia brasileira, os próprios brasileiros começaram as suas análises. Cheguei ao cúmulo de ver um comentário de que, assim como na Olimpíada de Londres, Paul McCartney deveria cantar, porque aí seria a música do mundo e não "apenas" a brasileira em destaque. Que complexo de vira-lata num superlativo jamais visto. 

Outro ignorante comentou que foi mais uma festa de bundas, e eu confesso que revi a festa nas reprisas em busca delas, mas não encontrei. É muito tiroteio no próprio pé. E olha que sou extremamente crítico à esse oba oba que se cria aqui no país, esse resquício de ufanismo que a imprensa insiste em plantar em boa parte das mentes fracas, que acompanham e dão seus pitacos totalmente passionais e sem nenhuma referência que acrescente algo. Paradoxo dos tempos modernos né. Quando as pessoas tem mais acessibilidade a escrever coisas que realmente mudem a vida das pessoas é quando mais é atestada sua total incapacidade para fazê-lo.

Quanto à cerimônia, os críticos deveriam ter a oportunidade de realizar pra quem sabe fazerem melhor, já que conhecem "o caminho das pedras" e "inventaram a roda". O engraçado é que muitos destes críticos não conseguem nem ao menos produzir um vídeo caseiro com noções mínimas de qualidade e se acham no direito de comentar um evento desta magnitude. E pra usar da mesma ironia e acidez de um dos "comentaristas de plantão": emagreça algumas centenas de quilos, pare de ficar brincando com peças inteiras de calabresa, tentando passar uma conotação sexual nas tosquisses de seus vídeos culinários e melhore a porcaria da sua vida antes de começar a julgar os outros. Pra começar, sendo homem, responsável e não um orgulhoso e promovedor por hábitos nada saudáveis. Esse "sarcasmo inglês", e me perdoem os ingleses do bem - que prima pelo jocoso a qualquer custo e que é reproduzido por alguns é nojento. E o pior é que pessoas veneram idiotas assim. 

Outra análise é sobre a inconstância do brasileiro em competições esportivas. Repetidas vezes, acompanhamos brasileiros favoritos sucumbirem a adversários bem mais fracos em esportes individuais e coletivos. E o emocional sempre é o calcanhar de Aquiles. Perdeu, perdeu, não tem porque ficar dando justificativa. Numa competição, eventualmente para um ganhar, outros tantos tem que perder. Daí, o enredo a cada derrota, um choro de não aceitação da perda. Um choro sentido.

Os atletas de outros países choram, mas não tem o emocional tão inconstante. Costumo chamar isso de fator A de "amarelância". Parece que o brasileiro precisa sempre de um exemplo para tomar gosto por vitórias, um Ayrton Senna aos domingos, um Guga, ou alguém que tenha se superado, morrido e ressuscitado também no esporte. Nessa questão, penso que seria ideal o esportista trabalhar a questão de que ele pode fazer história e ser ídolo e que isso demanda muito mais que a preparação física. Envolve, entre outras coisas, saber perder. 

O sensacional Guga ressaltou uma obviedade sobre o assunto. O atleta mais perde do que ganha e o brasileiro não se dá conta disso. Quando vem a derrota, desaba o mundo. A própria cultura do país só valoriza o primeiro lugar e é implacável com os outros. A prata parece valer menos que o bronze. E parece que a vitória é a solução de todos os problemas, o início do nirvana.

Ontem tivemos a semifinal do vólei de praia feminino. A disputa era entre as brasileiras, que venceram a então favorita dupla composta pela tricampeã olímpica americana Walsh, e uma dupla alemã que tinha uma estreante nos Jogos. Resultado, passeio de dois sets a zero para as alemãs e prata para as brasileiras. Tudo bem que o esporte é imprevisível, mas situações como essa são recorrentes quando o Brasil está na disputa. Chega e vencer o mais forte, mas parece entregar o jogo para o teoricamente mais fraco, mas nem por isso menos eficiente. 

O outro rótulo do momento é sobre o confronto da seleção brasileira masculina de futebol. O próximo jogo é a final contra a Alemanha. O embate é tratado pela imprensa como revanche dos 7 a 1. Espera aí. Os 7 a 1 foram numa semifinal de Copa do Mundo, no Mineirão, com boa parte dos jogadores que não estão em campo agora. O jogo de agora será uma final de Jogos Olímpicos, com atletas de outra faixa etária. Outro momento e outro contexto. O fracasso do Brasil em casa já está na história. Será para todo o sempre lembrado, não adianta, nada vai mudar isto.

Uma revanche de uma vitória incontestável. Ou seja, sempre há a necessidade de um motivacional. Não basta ganhar o ouro jamais conquistado nos Jogos, tem que devolver a derrota para os alemães, mesmo que não seja por 7 a 1, nem no Mineirão, nem num jogo que ficará para a história da Copa como a maior goleada sofrida por um anfitrião até o momento. 

A culpa é da imprensa neste caso e o povo embarca nesta história. Não digere uma derrota, e busca outras situações compensatórias fora de foco e contexto e a qualquer custo. Como diz Lulu Santos, "assim caminha a humanidade"    

Um comentário:

Helena Rodrigues disse...

Adorei o texto, Daniel.
Embora eu não tenha tido tempo suficiente para acompanhar como gostaria e tecer muitos comentários, tudo isso ficou muito evidente. Concordo plenamente contigo.
E agora se prepare para as críticas sobre o encerramento, logo mais.

Beijão!
Blog: *** Caos ***

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